quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

IN MEMORIAM

A 1 de Fevereiro de 1908, pelas 17h 20m , no Terreiro do Paço junto à esquina com a Rua do Arsenal, foram assassinados o Rei Dom Carlos I e o Príncipe Real Dom Luís Filipe.
Este acontecimento trágico, geralmente reconhecido como um dos mais marcantes da História de Portugal, merece bem ser evocado com a imparcialidade e a clarividência que a distância de um século já permitem.
Sem menosprezo das legítimas opiniões pessoais de cada um dos Portugueses acerca do regime actualmente vigente, considero importante e oportuno assinalar o centenário do Regicídio.
Na verdade, trata-se de condenar um acto de terrorismo contra um Chefe de Estado legitimamente empossado e contra o seu sucessor constitucionalmente consagrado, acto planeado e perpetrado sem manifestação de vontade ou participação da esmagadora maioria de um Povo de índole pacífica e tolerante.

Foi por isso que pensei em me associar às homenagens que vão certamente ser feitas em todo o País para honrar a memória de El Rei Dom Carlos I e a de seu Filho o Principe D. Luis Filipe, publicando estes acontecimentos tal qual foram escritos na época pelo meu Bisavô no seu Diário.

Meu Bisavô Thomaz de Mello Breyner - 4º Conde de Mafra - desde muito novo começou a escrever o seu diário. Deixou-nos 34 anos de diários escritos como podem ver nesta fotografia.


Agendas onde o Conde de Mafra escreveu durante 34 anos o seu Diário


O que vou aqui colocar são os relatos fieis e na integra dos trágicos acontecimentos escritos por ele no seu Diário entre os dias 1 e 14 de Fevereiro de 1908.

Faço-o conforme disse para homenagear El-Rei Dom Carlos de quem o meu Bisavô era tão amigo uma vez que cresceram juntos.



José Tomaz de Mello Breyner


terça-feira, 29 de janeiro de 2008

AS VITIMAS - EL REI D. CARLOS I 1863-1908




Rei da quarta dinastia e o 13° rei de Portugal, filho primogênito do rei D. Luís I e da rainha D. Maria Pia, nasceu em Lisboa em 28/09/1863.

Foi batizado com o nome de Carlos Fernando Luís Maria Vítor Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Simão de Bragança Sabóia Bourbon Saxe-Coburgo Gota.
Em 1886, casa-se com Maria Amélia de Orleãs, princesa da França. Em 1888, publica A Defesa do Porto de Lisboa e a Nossa Marinha de Guerra.

Quando subiu ao trono em 1889 (por morte do pai, a 19 de Outubro), o país atravessava uma grave crise econômica...

Para complicar a situação, em janeiro de 1890 os portugueses sofreram um vexame: o "Ultimato Inglês", no qual a Inglaterra exigia que o governo português mandasse retirar os exércitos que se encontravam entre as colônias de Angola e Moçambique, caso contrário, declararia guerra ao país.

O governo cedeu. Os portugueses sentiram-se humilhados e atribuíram as culpas à incapacidade política do rei. Os republicanos aproveitaram esta oportunidade para reforçar a idéia de que a monarquia devia ser derrubada.

Houve por todo o país muitas manifestações contra o Ultimato e os jornais encheram-se de artigos violentos contra a Inglaterra, contra o rei e contra a monarquia. Foi nessa época que apareceu um hino militar "A Portuguesa", hoje, hino nacional.

Em 1901, ele participa dos funerais da rainha Vitória da Inglaterra.

Esta história termina em Lisboa, no dia 01/02/1908, onde em um atentado contra a monarquia Dom Carlos I tomba assassinado, juntamente com o seu sucessor, o infante Dom Luís, restando como descendente seu segundo filho que seria o último rei de Portugal: Dom Manuel II.

Dom Carlos foi um grande Rei, reformador, poeta, pintor, desenhista, músico, cientista, hictiologista. Teve de ser morto pelos anarquistas mesmo, porque de outra forma nunca se faria a República tão cedo, pois ele era muito amado pelo povo, tanto de Portugal como do Brasil, onde abriu os Portos à navegação Atlântica...


segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

AS VITIMAS PRINCIPE D. LUIS FILIPE - 1987-1908


D. Luís Filipe, baptizado como Luís Filipe Maria Carlos Amélio Fernando Victor Manuel António Lourenço Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis Bento de Bragança Saxe-Coburgo-Gota nasceu em Lisboa a 21 de Março de 1887 e morreu assassinado na Praça do Comércio,em 1 de Fevereiro de 1908. Príncipe Real de Portugal, foi Príncipe da Beira antes da subida de seu pai ao trono. Filho mais velho do Rei D. Carlos I e de sua mulher, a Rainha D. Amélia. Como herdeiro do trono, D. Luís Filipe tinha ainda o título de Duque de Bragança, usufruindo dos rendimentos dessa grande Casa, último morgadio que no seu tempo era ainda, legalmente, permitido em Portugal.

Sendo os Bragança uma família melómana em todos os tempos (tanto seu pai como o avô se dedicando, o primeiro à pintura e à ciência oceanográfica, e o segundo à literatura, tendo traduzido Shakespeare do inglês para o português), D. Luís Filipe teve uma edução esmerada em casa durante toda a sua infância, até ser entregue aos cuidados do seu preceptor, o herói das guerras de África Mouzinho de Albuquerque, recém-chegado das colónias, o qual deu início a uma apurada instrução militar ao seu discípulo.

Exerceu a regência do Reino durante escasso período de tempo em 1907, aquando da deslocação de seu pai em visita protocolar ao estrangeiro. Nesse mesmo ano, e pela primeira vez para um príncipe português desde D. João VI, deslocou-se D. Luís Filipe em viagem oficial às colónias, neste caso às africanas, visita com grande impacto nesse tempo.

O Príncipe Real, tal como seu pai, disfrutava de grande prestígio no Exército, e, sabendo das ameças de morte a D. Carlos, andava sempre armado de revólver, para o defender quando fosse preciso, jurando sempre que o matariam primeiro a ele antes que ele deixasse matar o seu pai e seu rei. E de facto, os relatos dizem que antes de morrer ainda atirou a um dos regicidas, atingindo-o ou matando-o mesmo, com o seu revólver Winchester.

O Príncipe estava com seu pai no dia 1 de Fevereiro de 1908, quando o rei foi baleado pelas costas, na nuca, e morreu assassinado pela Carbonária, organização terrorista republicana. O crime foi cometido quando a Família Real, os reis e o príncipe, regressada de Vila Viçosa, passava de carruagem pelo Terreiro do Paço, à esquina da Rua do Arsenal. Ao tentar defender a sua família D. Luís Filipe conseguiu ainda abater um dos assassinos, sendo no entanto atingido mortalmente a tiro, sobrevivendo a seu pai muito pouco tempo. Apenas escapou ilesa ao atentado a rainha D. Amélia de Orleães, sendo ferido no braço o infante D. Manuel, duque de Beja, que assim subiu ao trono como D. Manuel II, e que viria a ser o último rei de Portugal.

domingo, 27 de janeiro de 2008

O AUTOR




D. Thomaz de Mello Breyner

Médico de D. Carlos I e 4.º conde de Mafra.
Nasceu em Lisboa, em 2 de Setembro de 1866; morreu na mesma cidade em 24 de Outubro de 1933.

Filho segundo dos 2.os condes de Mafra, e irmão mais novo do 3.º conde, Francisco de Melo Breyner, que morreu em 1922, foi 4.º conde por autorização de D. Manuel II no exílio.
O pai tinha sido comandante do batalhão de caçadores 5, de que os reis de Portugal desde D. Pedro IV eram comandantes honorários, sendo no Castelo de S. Jorge, quartel do batalhão, que Tomás de Melo Breyner nasceu. Estudou no Colégio Académico Lisbonense, tendo frequentado a Escola Politécnica e posteriormente a Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, no Campo de Santana, tendo sido interno dos hospitais nos últimos anos do curso.
Especializou-se em França, tendo concorrido em 1893 a médico do hospital de S. José, ano em que foi nomeado médico da real câmara por D. Carlos I. Nestas funções acompanhou a rainha D. Amélia a Paris em 1894, e a rainha viúva D. Maria Pia a Itália em 1901.
Em 1897 foi como secretário do Dr. Sousa Martins ao Congresso sobre peste bubónica que se realizou em Veneza. Em 1903 representou Portugal no Congresso Internacional de Medicina de Madrid, em em 1905 no realizado em Paris. Em 1906 o Congresso reuniu-se em Lisboa e D. Tomás de Melo Breyner foi eleito secretário da comissão executiva.
Foi deputado na legislatura de 1906-1907, e director de serviço clínico nos Hospitais Civis de Lisboa.
Casou em 1894 com Sofia Burnay, filha mais nova dos 1.os condes de Burnay, tendo tido nove filhos.

sábado, 26 de janeiro de 2008

O RELATO - 1 DE FEVEREIRO

Sabbado 1 de Fevereiro de 1908
Lisboa – Paço das Necessidades
(1)

Assassinato d’El Rei D. Carlos e do Principe Real D. Luis

De manhã Hospital. Fui almoçar a casa. Das 2 ás 4 consultorio. D’ali fui ao Terreiro do Paço esperar SS. MM. E o Principe Real que vinham de Villa Viçosa. Fallei-lhes quando desembarcaram e logo em seguida safei-me para ir a casa do Saint Rné Taillandier. Ali o Penha e Costa disse-me que tinha havido barulho no Terreiro do Paço. Vim logo para aqui para ver chegar dois landaus com os cadaveres do meu querido Rei e do meu querido Principe !!!
Tinham sido assassinados no Terreiro do Paço quando vinham na carruagem por uns monstros que sacaram carabinas debaixo do capote. Bem me diziam!
Noutra carruagem chegaram as duas Rainhas com o Senhor Infante D. Manoel que é agora El Rei D. Manoel II e pelo Infante D. Affonso que é agora o Principe Real. Que scena e que afflicção! Os dois cadaveres ficaram ao lado um do outro no quarto de cama d’El Rei.
Eu ali fiquei toda a noite.
São companheiros de serviço o Marquez-Barão d’Alvito, o Conde e Condessa de Figueiró, o Almirante Guilherme Cappelo, o António Waddington e o Visconde d’Asseca Pae que vinha com o querido Principe.
Tempo lindo para contrastar com a minha grande tristeza.


Thomaz de Mello Breyner - 4º Conde de Mafra

(1) Meu Bisavô começava o seu Diário por colocar a data e o local onde dormia nesse dia JTMB




Excerto do "Diário de Dona Amélia de Orleães e Bragança", onde a Rainha lamenta o desaparecimento trágico de S.M. o Rei D. Carlos e do Príncipe Real D. Luís Filipe.


Lisboa, Escrever. Escrever para não gritar. Para não perder a razão - sim, para não perder a razão. Para expulsar, por um instante que seja, as terríveis imagens deste dia, e suportar o longo horror desta noite, a primeira de todas as que estão para vir.

Escrevo para mim. Escrevo para não enlouquecer, (...) mas a rainha de Portugal não se entrega à loucura. Ela cumpre o seu dever, ou morre como morreu hoje o rei de Portugal, D. Carlos I, como morreu hoje o príncipe herdeiro, D. Luís Filipe, como ela própria deveria ter morrido sob as balas dos assassinos.

Meu Deus, porque permitiste que matassem o meu filho? Protegi-o com todo o meu corpo, expus-me aos tiros, quis desesperadamente que eles me trespassassem a mim. E bastou uma única bala para destruir o rosto do meu filho. (...)

A dor cobriu tudo. Esvaziou-me o Espírito. As recordações desapareceram, estou incapaz de chorar. Inerte. (...)

Preciso de continuar a escrever até que o dia rompa, em vez de deixar que os pesadelos me invadam num sono inquieto. É preciso descrever a realidade, mais cruel do que o pior dos pesadelos.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

O RELATO - 2 DE FEVEREIRO

Domingo, 2 de Fevereiro de 1908
Lisboa – Paço das Necessidades


Embalsamamento


De manhã missas. È enorme o alvoroça na cidade, mas a ordem não foi alterada. As tropas precisam de ser elogiadas porque teem estado admiraveis de fidelidade. E dizia-se o contrario.
O João Franco demitiu-se hoje.
Ás 2h p.m. começou o embalsamamento d’El Rei e do querido Principe Real. Presentes o Conselheiro Silva Amado por parte do Conselho Medico Legal e os Medicos da Real Camara Lencastre, Tavares, Ravara, Meirelles e eu. O Barros da Fonseca não poude assistir por estar doente. O grande trabalho foi feito pelo grande Rocha do Hospital de S. José. Também assistiu o Ferreira Pharmaceutico da Casa Real. Às 7 h p.p. interrompemos para jantar. Ás 8 h. continuamos e seguimos pela noite dentro. Tudo muito difficil por causa dos estragos das balas.
Bom tempo


Thomaz de Mello Breyner - 4º Conde de Mafra

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

O RELATO - 3 DE FEVEREIRO

Segunda-feira, 3 de Fevereiro de 1908
Lisboa – Paço das Necessidades




Continuo atordoado. Quantas saudades do querido Rei e do querido Principe Real. Que horror foi o embalsamamento que só acabou de madrugada. O Principe foi mettido na sua urna, mas a que veio para El-Rei não serviu. Ficou sobre a cama enquanto se não faz outra. Estão os dois corpos no quarto de cama d’El Rei cobertos com a bandeira portugueza. Sempre que posso vou ali rezar pelos dois Martires. Fui almoçar a casa e depois ao consultorio. Ás 4 ½ voltei para aqui.
Jantar ás 8h e depois fui para junto dos mortos queridos.


Thomaz de Mello Breyner - 4º Conde de Mafra





Construção da urna para El-Rei D. Carlos uma vez que Ele não coube na 1ª

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

O RELATO - 4 DE FEVEREIRO

Terça-feira, 4 de Fevereiro de 1908
Lisboa-Paço das Necessidades

Morre D. Carolina Eça de Queiroz


Dormi umas 3 a 4 h que me repousaram. Logo ás 8h fui para junto dos cadaveres do meu querido Rei e querido Principe que estão ainda na cama mortuária.
Ás 10 horas fui fazer o curativo a El-Rei D. Manoel que vai melhorando graças a Deus.
Está constituido já o ministério presidido pelo Ferreira do Amaral. É um ministerio de concentração para calmar os espiritos que estão realmente mais socegados.
Das 2 ás 4 fui ao consultorio e dei também uma chegada a casa. Vim depois logo para aqui.
Ás 8 h jantar. Ás 10h fui deitar El-Rei e depois fui para junto dos queridos mortos até de madrugada. Como eu tenho aguentado o desgôsto e o cansaço.
Tempo lindo contrastando com a horrivel desgraça.
Morreu hontem em Lisboa D. Carolina Eça de Queiroz, mãe do grande romancista José Maria Eça de Queiroz. R.I.P.


Thomaz de Mello Breyner - 4º Conde de Mafra



Lenço que El Rei Dom Manuel II trazia no dia do Regicidio. Tem ainda sangue de El Rei resultado do ferimento de bala no atentado. Foi oferecido por Ele ao meu Bisavô. JTMB

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

O RELATO - 5 DE FEVEREIRO

Quarta-feira 5 de Fevereiro de 1908
Lisboa – Paço das Necessidades



Ainda não se realizou o grande horror. Pobre Rei e pobre Principe para mim tão queridos.
Logo ás 8h da manhã fui para junto do Novo Rei que vai melhorando do braço, mas lentamente porque a ferida é grande e a contusão enorme.
Fui de tarde a casa e ao consultório. Ás 4h já aqui estava outra vez para fazer companhia ao Reisinho e classificar os milhares de telegramas que Elle recebe.
Jantar ás 8h e depois sala e cavaqueira com as centenas de pessoas que aparecem constantemente. Muito cochichar, muitos segredos, já muitas intrigas. O que virá isto a ser de futuro? Pobre Reisinho! Que saudades do outro Santo Rei e do querido Principe!
Continua bom tempo.


Thomaz de Mello Breyner - 4º Conde de Mafra

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

O RELATO - 6 DE FEVEREIRO

Quinta-feira 6 de Fevereiro de 1908
Lisboa – Paço das Necessidades


Passei a manhã com o Reisinho que vae melhorando do braço. Ao meio dia fui a casa vêr a familia e almoçar. Voltei para aqui ás 4h . Teem chegado muitos Principes e muitos Embaixadores estrangeiros. Jantar ás 8h. Depois começou a soldagem do caixão do Principe Real e metemos El-Rei na urna que também foi soldada. Foi o serviço dirigido por mim e nada faltou. Á meia noite sahia o caixão d’El-Rei do Paço para entrar na Capella. Só as pessoas de serviço, Conselheiro A. Vasconcellos Porto (ex-Ministro da Guerra), Almirante Morais e Sousa, e creados acompanharam os cadaveres.
Atraz das urnas foi o Principe Herdeiro D. Afonso.
A Isabel Ponte, aia do Principe Real, acompanhou o caixão d’Este do Palacio para a Capella.
Que Tristeza! E que frio fazia!


Thomaz de Mello Breyner - 4º Conde de Mafra

domingo, 20 de janeiro de 2008

O RELATO - 7 DE FEVEREIRO

Sexta-feira, 7 de Fevereiro de 1908
Lisboa – Paço das Necessidades


De manhã fui fazer o curativo a El-Rei com quem fui á missa dita pelo Nuncio Tonti ás 10 ½ . Ao meio dia fui a casa ver a Familia e ás 3h voltei para aqui. Ás 3h p.m. vieram os Principes Artur de Connaught, e D. Fernando d’ Hespanha. Despois estive mais de duas horas conversando com a Rainha Amelia que está admirável de resignação e valôr. Á meia noite chegaram aqui o Infante D. Carlos d’Hespanha, e o Principe João d’Orleans (Duque de Guise). Também chegaram para Belem muitos outros Principes.
Chegou a Lisboa o Wandschneider.
Há um certo panico pª amanhã. Não creio que se faça nada. O attentado foi só contra El-Rei. Creio que até não queriam matar o Principe Real.
Chegou o Couraçado inglez “Exmouth” com o Almirante Curzon Howe que vem representar a Rainha Alexandra. Vem companhado do cruzador “Arrogant”. Também está o Cruzador Hespanhol “Princeza das Asturias”


Thomaz de Mello Breyner - 4º Conde de Mafra

sábado, 19 de janeiro de 2008

O RELATO - 8 DE FEVEREIRO

Sabbado, 8 de Fevereiro de 1908
Lisboa – Junqueira



Logo de manhã no Paço fui curar o braço do Rei D. Manoel que logo depois se fardou de Generalissimo pela primeira vez para assisitir ao enterro do Pae e do Irmão sahindo do Palacio. Que triste scena! Sahiu o enterro ás 11h Eu fui com o colega Meirelles. Chegamos a S. Vicente ás 11 ½ .
Tristeza enorme para mim.
Encontrei ali o Almirante Curzon Howe muito fflicto bem como o Marquez del Castelar, meu amigo de Madrid.
Ás 4 h voltei para casa tirar a farda e fui a Belem vêr o Infante D. Fernando e o Marquez del Castelar. Ambos partiram para Madrid ás 6 ½.
Jantei em casa. Á noite veio o Martins da Rocha, grande amigo d’El Rei nas Pedras Salgadas.
Que afflicto passei o dia de hoje. E que lindo dia para destoar com a minha saudade!
Vi no Paço o Duque de Luynes, o Duque de Noailles e o Marquez de Beauvoir, todos meus conhecidos de Stawe quando ali fui com a Rainha Amelia assistir á morte de seu Pai, o Conde de Paris.


Thomaz de Mello Breyner - 4º Conde de Mafra

Saída do cortejo funebre do Paço das Necessidades




Cavalo do Principe Real D. Luis Filipe

Chegada do Cortejo a São Vicente



Urnas em São Vicente durante a Missa de Corpo Presente

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

O RELATO - 9 DE FEVEREIRO

Domingo, 9 de Fevereiro de 1908
Lisboa – Junqueira


Logo de manhã fui curar o braço do Rei D. Manoel
Almoçou aqui comigo o Manuel martins da Rocha
Ás 2 h fui ao Paço onde El-Rei e a Rainha Mãe receberam as Casas Civil e Militar. O Reisinho apareceu fardado de Generalissimo. Parecia D. Pedro V. Será bom que se Lhe não metta demasiadamente na cabeça seguir ou imitar sem nexo o sorumbatico Tio. Era bom mas não tinha sorte e apezar de tudo atirava para o tyranete. D’ali fui visitar a Rainha D. Maria Pia que está muito cahida e também visitei o Conde de Turim.
De tarde fui ao Julio Mardel onde estava o Marquez da Foz e o Caetano de Bragança com o filho Affonso.
Morreu hontem o General R. Galhardo que foi ajudante de campo d’El-Rei D. Carlos. Era o heroe do Coolela. Fiz serviço com ele em Cascaes no anno passado. R.I.P.


Thomaz de Mello Breyner - 4º Conde de Mafra


Fotografia da página do Diário de 9 de Fevereiro de 1908

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

O RELATO - 10 DE FEVEREIRO

Segunda-feira 10 de Fevereiro de 1908
Lisboa-Junqueira


De manhã fui ao Paço vêr o braço d’El Rei. D’ali vim almoçar a casa.
Das ás 4 consultório.
Jantei em casa e veio jantar o Cid.
Continuo cheio de saudades de tudo. Que tristeza!
De manhã fui ao Sud-express despedir-me do Conde de Turim e do Principe Guilherme d’Hohenzollern que partiram para Paris


Thomaz de Mello Breyner - 4º Conde de Mafra

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

O RELATO - 11 DE FEVEREIRO

Terça-feira, 11 de Fevereiro de 1908
Lisboa – Junqueira

De manhã fui ver o braço d’ El-Rei D. Manoel. Também vi a Rainha D. Amelia.
Que tristeza de Paço!!!
Almocei no Tavares
Das 2 ás 4 consultorio
Jantou comigo o Jorge Cid.
Á noite fui a casa dos Condes de Olivaes vêr o Penha Longa que veio de Paris expressamente para o enterro d’El-Rei e do Principe. O Penha Longa era grande amigo d’El-Rei e El-Rei gostava muito d’elle. Tambem lá estavam os Molinas.
Esteve um dia bonito, mas parece-me que o tempo vai mudar.


Thomaz de Mello Breyner - 4º Conde de Mafra

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

O RELATO - 12 DE FEVEREIRO

Quarta-feira 12 de Fevereiro de 1908
Lisboa – Junqueira


De manhã fui ver o braço d’El-Rei. Almocei no Hotel Central. Das 2 ás 3 Companhia dos Tabacos. Levantou-se a sessão em signal de sentimento. Até ás 5 ½ consultorio.
Jantei em casa. Á noite fui a casa do Julio Mardel.
Tempo de chuviscos


Thomaz de Mello Breyner - 4º Conde de Mafra

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

O RELATO - 14 DE FEVEREIRO

Sexta-feira, 14 de Fevereiro de 1908
Lisboa-Junqueira


De manhã fui ver o braço d’El-Rei e depois ver doentes. Almocei no Rendez-Vous des Gourmets. Das 2 ás 4h consultorio. Jantei com os sogros e á noite fui ver a Didi.
Ainda não estou em mim depois da grande desgraça. Cada vez tenho mais saudades d’El-Rei e do Principe.
Parece que a versão verdadeira sobre a tragédia é a seguinte: o bandido Alfredo Costa assassinou El-Rei com um tiro na nuca e o Principe que ia em frente do Pae tirou um revolver da algibeira e matou immediatamente o regicida. Foi então que o bandido Manoel Buiça com uma carabina prostrou o Principe Real com uma bala na face esquerda que produziu a morte vinte minutos depois já no Arsenal. A morte d’El-Rei foi instantanea.
Morreu hontem o Dr Flávio da Silveira. Conheci-o em Mafra há mais de 20 anos. R.I.P.


Thomaz de Mello Breyner - 4º Conde de Mafra

domingo, 13 de janeiro de 2008

O Regicidio visto por El Rei Dom Manoel II

Caros Amigos

Este vai ser o ultimo post deste blogue que dediquei à Memória de SM El-Rei Dom Carlos e de SAR O Principe Dom Luiz Filipe, na passagem dos centenário do seu assassino. E termino com o relato feito por SM El Rei Dom Manoel II filho e irmão das 2 vitimas. A todos os que me visitam muito obrigado pelas vossas palavras, e espero encontrá-los todos no dia 1 de Fevereiro pelas 17.00h no Terreiro do Paço ou em São Vicente de fora às 19.00h nas solenes exequia.

Para quem queira ver o programa pode ir aqui : http://www.dcarlos100anos.pt/programa.html

E agora tem a palavra SMF O Rei Dom Manuel II de Portugal



«Há já uns poucos de dias que tinha a ideia de escrever para mim estas notas intimas, desde o dia 1 de Fevereiro de 1908, dia do horroroso atentado no qual perdi barbaramente assassinados o meu querido Pae e o meu querido Irmão. Isto que aqui escrevo é ao correr da pena mas vou dizer franca e claramente e também sem estilo tudo o que se passou. Talvez isto seja curioso para mim mesmo um dia se Deus me der vida e saúde. Isto é uma declaração que faço a mim mesmo. Como isto é uma historia intima do meu reinado vou inicia-la pelo horroroso e cruel atentado.

No dia 1 de Fevereiro regressavam Suas Magestades El-Rei D. Carlos I a Rainha a senhora D. Amélia e Sua Alteza o Principe Real de Villa Viçosa onde ainda tinha ficado. Eu tinha vindo mais cedo (uns dias antes) por causa dos meus estudos de preparação para a Escola Naval. Tinha ido passar dois a Villa Viçosa tinha regressado novamente a Lisboa.

Na capital estava tudo num estado excitação extraordinária: bem se viu aqui no dia 28 de Janeiro em que houve uma tentativa de revolução a qual não venceu. Nessa tentativa estava implicada muita gente: foi depois dessa noite de 28, que o Ministro da Justiça Teixeira d'Abreu levou a Villa Viçosa o famoso decreto que foi publicado em 31 de Janeiro. Foi uma triste coincidência ter rubricado nesse dia de aniversário da revolta do Porto. Meu Pae não tinha nenhuma vontade de voltar para Lisboa. Bem lembro que se estava para voltar para Lisboa 15 dias antes e que meu Pae quis ficar em Villa Viçosa: Minha Mãe pelo contrário queria forçosamente vir. Recordo-me perfeitamente desta frase que me disse na vespera ou no próprio dia que regressei a Lisboa depois de eu ter estado dois dias em Villa Viçosa. "Só se eu quebrar uma perna é que não volto para Lisboa no dia 1 de Fevereiro. Melhor teria sido que não tivessem voltado porque não tinha eu perdido dois entes tão queridos e não me achava hoje Rei! Enfim, seja feita a Vossa vontade Meu Deus!

Mas voltando ao tal decreto de 31 de Janeiro. Já estavam presas diferentes pessoas politicas importantes. António José d'Almeida, republicano e antigo deputado, João Chagas, republicano, João Pinto dos Santos, dissidente e antigo deputado, Visconde de Ribeira Brava e outros. Este António José d'Almeida é um dos mais sérios republicanos e é um convicto, segundo dizem. João Pinto dos Santos, é também um dos mais sérios do seu partido. O Visconde de Ribeira Brava, não presta para muito e tinha sido preso com as armas na mão no dia 28 de Janeiro. Mas o António José d'Almeida e João Pinto dos Santos não podiam ser julgados senão pela Câmara como deputados da última Câmara. Ora creio que a tensão do Governo era mandar alguns para Timor tirando assim por um decreto dictatorial um dos mais importantes direitos dos deputados. O Conselheiro José Maria de Alpoim par do Reino e chefe do partido dissidente tinha tido a sua casa cercada pela policia mas depois tinha fugido para Espanha. Um outro dissidente também tinha fugido para Espanha e lá andou disfarçado. Outro que tinha sido preso foi o Afonso Costa: este é do pior do que existe não só em Portugal mas em todo mundo; é medroso e covarde, mas inteligente e para chegar aos seus fins qualquer pouca vergonha lhe é indiferente. Mas isto tudo é apenas para entrar depois mais detalhadamente na história íntima do meu reinado.

Como disse mais atrás eu estava em Lisboa quando foi 28 de Janeiro; houve uma pessoa minha amiga (que se não me engano foi o meu professor Abel Fontoura da Costa) que disse a um dos Ministros que eu gostava de saber um pouco o que se passava, porque isto estava num tal estado de excitação. O João Franco escreveu-me então uma carta que eu tenho a maior pena de ter rasgado, porque nessa carta dizia-me que tudo estava sossegado e que não havia nada a recear! Que cegueira!

Mas passemos agora ao fatal dia 1 de Fevereiro de 1908 sábado. De manhã tinha eu tido o Marquês Leitão e o King. Almocei tranquilamente com o Visconde d'Asseca e o Kerausch. Depois do almoço estive a tocar piano, muito contente porque naquele dia dava-se pela primeira vez "Tristão e Ysolda" de Wagner em S. Carlos. Na vespera tinha estado tocando a 4 mãos com o meu querido mestre Alexandre Rey Colaço o Septuor de Beethoven, que era, e é uma das obras que mais aprecio deste génio musical. Depois do almoço à hora habitual quer dizer às 13:15h comecei a minha lição com o Fontoura da Costa, porque ele tinha trocado as horas da lição com o Padre Fiadeiro. A hora do Fontoura era às 17:30h. acabei com o Fontoura às 15 horas e pouco depois recebi um telegrama da minha adorada Mãe dizendo-me que tinha havido um descarrilamento na Casa-Branca, mas não tinha acontecido nada, mas que vinham com três quartos de hora de atraso. Vendo que nada tinha acontecido dei graças a Deus, mas nem me passou pela mente, como se pode calcular o que havia de acontecer. Agora pergunto-me eu aquele descarrilamento foi um simples acaso? Ou foi premeditado para que houvesse um atraso e se chegasse mais tarde? Não sei. Hoje fiquei em dúvida. Depois do horror que se passou fica-se duvidando de muita coisa. Um pouco depois das 4 horas saí do Paço das Necessidades num "landau" com o Visconde d'Asseca em direcção ao Terreiro do Paço para esperarmos Suas Magestades e Alteza. Fomos pela Pampulha, Janelas Verdes, Aterro e Rua do Arsenal. Chegámos ao Terreiro do Paço. Na estação estava muita gente da corte e mesmo sem ser. Conversei primeiro com o Ministro da Guerra Vasconcellos Porto, talvez o Ministro de quem eu mais gostava no Ministério do João Franco. Disse-me que tudo estava bem.

Esperamos muito tempo; finalmente chegou o barco em que vinham os meus Paes e o meu Irmão. Abracei-os e viemos seguindo até a porta onde entramos para a carruagem os quatro. No fundo a minha adorada Mãe dando a esquerda ao meu pobre Pae. O meu chorado Irmão deante do meu Pae e eu deante da minha mãe. Sobretudo o que agora vou escrever é que me custa mais: ao pensar no momento horroroso que passei confundem-se-me as ideias. Que tarde e que noite mais atroz! Ninguem n'este mundo pode calcular, não, sonhar o que foi.creio que só a minha pobre e adorada Mãe e Eu podemos saber bem o que isto é! vou agora contar o que se passou n'aquella historica Praça.

Sahimos da estação bastante devagar. Minha mãe vinha-me a contar como se tinha passado o descarrilamento na Casa-Branca quando se ouvio o primeiro tiro no Terreiro do Paço, mas que eu não ouvi: era sem duvida um signal: signal para começar aquella monstrosidade infame, porque pode-se dizer e digo que foi o signal para começar a batida. Foi a mesma coisa do que se faz n'uma batida às feras: sabe-se que tem de passar por caminho certo: quando entra n'esse caminho dá-se o signal e começa o fogo! Infames! Eu estava olhando para o lado da estatua de D. José e vi um homem de barba preta , com um grande "gabão". Vi esse homem abrir a capa e tirar uma carabina. Eu estava tão longe de pensar n'um horror d'estes que me disse para mim mesmo, sabendo o estado exaltação em que isto tudo estava "que má brincadeira". O homem sahiu do passeio e veio se pôr atraz da carruagem e começou a fazer fogo.

Faço aqui um pequeno desenho para mesmo me ajudar.






1) Estátua de D. José
2) Sítio onde estava o Buissa o homem das barbas
3) Lugar onde elle começou a fazer fogo
4) Sítio aproximadamente onde devia estar a carruagem Real quando o homem começou a fazer fogo
5) Portão do Arsenal
6) Praça do Pelourinho
7) Sítio aproximadamente donde sahiu o tal Costa que matou o meu Pae.

Quando vi o tal homem das barbas que tinha uma cara de meter medo, apontar sobre a carruagem percebi bem, infelizmente o que era. Meu Deus que horror. O que então se passou só Deus minha mãe e eu sabemos;(...).

«(...) O que então se passou. Só Deus minha Mãe e eu sabemos; porque mesmo o meu querido e chorado Irmão presenceou poucos segundos porque instantes depois também era varado pelas balas. Que saudades meu Deus! Dai-me a força Senhor para levar esta Cruz, bem pesada, ao Calvário! Só vós, Meu Deus sabeis o que tenho sofrido!

Logo depois do Buíça ter feito fogo (que eu não sei se acertou) começou uma perfeita fuzilada, como numa batida às feras! Aquele Terreiro do Paço estava deserto nenhuma providência! Isso é que me custa mais a perdoar ao João Franco. Se durante o seu ministério sobretudo na parte da ditadura cometeu erros isso para mim é menos. Tenho a certeza que a sua intenção era muito boa; os meios é que foram maus, péssimos, pois acabou da maneira mais atroz que jamais se poderia imaginar. Quando se lhe dizia que isto ia mal que havia anarquistas no nosso País ele não acreditou. O primeiro sintoma que eu me lembro de ter havido foi a explosão daquelas bombas na Rua de Santo António à Estrela. Recordo-me perfeitamente a impressão que me fez quando soube! Foi no Verão estávamos então na Pena. Quem me diria o que havia de acontecer 6 ou 8 meses depois! Mas voltando novamente ao pavoroso atentado.

Sei de um dos comandantes da polícia o Coronel Correia estava muito inquieto e o João Franco não acreditava que pudesse ter lugar qualquer coisa desagradável, quanto menos um horror destes, e infelizmente não estavam tomadas providências nenhumas.

Imediatamente depois do Buíça começar a fazer fogo saiu de debaixo da Arcada do Ministério um outro homem que desfechou uns poucos de tiros à queima-roupa sobre o meu Pai; uma das balas entrou pelas costas e outra pela nuca, que O matou instantaneamente. Que infames! para completarem a sua atroz malvadez e sua medonha covardia fizeram fogo pelas costas. Depois disto não me lembro quase do resto: foi tão rápido! Lembra-me perfeitamente de ver a minha adorada e heróica Mãe de pé na carruagem com um ramo de flores na mão gritando àqueles malvados animais, porque aqueles não são gente «infames, infames».

A confusão era enorme. Lembra-me também e isso nunca poderei esquecer, quando na esquina do Terreiro do Paço para a Rua do Arsenal, vi o meu Irmão em pé dentro da carruagem com uma pistola na mão. Só digo d'Ele o que o Cónego Aires Pacheco disse nas exéquias nos Jerónimos: «Morreu como um herói ao lado do seu Rei»! Não há para mim frase mais bela e que exprima melhor todo o sentimento que possa ter.

Meu Deus que horror! Quando penso nesta tremenda desgraça, ainda me parece um pesadelo!

Quando de repente já na Rua do Arsenal olhei para o meu queridíssimo Irmão vi-O caído para o lado direito com uma ferida enorme na face esquerda de onde o sangue jorrava como de uma fonte! Tirei um lenço da algibeira para ver se lhe estancava o sangue: mas que podia eu fazer? O lenço ficou logo como uma esponja.

No meio daquela enorme confusão estava-se em dúvida para onde devia ir a carruagem: pensou-se no hospital da Estrela, mas achou-se melhor o Arsenal. Eu também, já na Rua do Arsenal fui ferido num braço por uma bala. Faz o efeito de uma pancada e um pouco uma chicotada: foi na parte superior do braço direito.

Agora que penso ainda neste pavoroso dia e no medonho atentado parece-me e tenho quase a certeza (não quero afirmar porque nestes momentos angustiosos perde-se a noção das coisas) que eu escapei por ter feito um movimento instintivo para o lado esquerdo.

Na segunda carruagem vinham os Condes de Figueiró e o Marquês de Alvito e na terceira o Visconde de Asseca, o Vice-Almirante Guilherme A. de Brito Capelo e o Major António Waddington. Quando vínhamos a entrar o portão do Arsenal a Condessa de Figueiró entrou também na nossa carruagem e lembra-me que o Visconde de Asseca e o Conde de Figueiró vinham ao lado da carruagem. Dentro do Arsenal saí da carruagem primeiro e depois a minha adorada Mãe. Foi verdadeiramente um milagre termos escapado: Deus quis poupar-nos! Dou Graças a Deus de me ter deixado a minha Mãe que eu tanto adoro. Sempre foi a pessoa que eu mais gostei neste mundo e no meio destes horrores todos dou e darei sempre graças a Deus de me A ter conservado!

Quando a Minha adorada Mãe saiu da carruagem foi direita ao João Franco que ali estava e disse-lhe ou antes gritou-lhe com uma voz que fazia medo «Mataram El-Rei: Mataram o meu Filho». A minha pobre Mãe parecia doida. E na verdade não era para menos: Eu também não sei como não endoideci. O que então se passou naquelas horas no Arsenal ninguém pode sonhar! A primeira coisa foi que perdi completamente a noção do tempo. Agarrei a minha pobre e tão querida Mãe por um braço e não larguei e disse à Condessa de Figueiró para não a deixar.

Contudo ia entrando muita gente da Casa, diplomatas, os ministros e mesmo ministros de Estado honorários.

Estava-se ainda na dúvida (infelizmente de pouca duração se ainda viviam os dois entes tão queridos! Estavam lá muitos médicos entre outros o Dr. Bossa (que me parece foi o primeiro que chegou) o Dr. Moreira Júnior e o Dr. D. António Lencastre. Contou-me depois (já alguns dias depois) o Dr. Bossa que logo que chegou acendeu um fósforo e ainda as pupilas se retraíram. Quando porém repetiu a experiência nem mesmo esse pequeno sinal de vida lhe restava.

Descansa em paz no sono Eterno e que Deus tenha a Tua Alma na sua Santa Guarda!

De meu Pai e mesmo meu Irmão não tinha grandes esperanças que pudessem escapar. As feridas eram tão horrorosas que me parecia impossível que se salvassem. Como disse já lá estava o Ministério todo menos o Ministro da Fazenda Martins de Carvalho.

Isso é que nunca poderei esquecer é que fazendo parte do Ministério do meu querido Pai quando foi assassinado não foi ao Arsenal! Diz-se (não o quero afirmar) que fugiu para as águas-furtadas do Ministério da Fazenda e ali fechou a porta à chave! seja como for há agora seis meses que Meu Pai e Meu Irmão de chorada memória foram assassinados e nunca mais aqui pôs os pés! Acho isso absolutamente extraordinário!... para não dizer mais.

Preveniu-se para o Paço da Ajuda a minha pobre Avó para vir para o Arsenal. Eu não estava quando Ela chegou. Estavam-me a tratar o braço na sala do Inspector do Arsenal.

Quando a Avó chegou foi direita à minha Mãe e disse-lhe «On a tué mon fils!» e a minha Mãe respondeu-lhe: «Et le mien aussi!» Meu Deus dai-me força. Mas antes disto houve diferentes coisas que quero contar.

A minha pobre e adorada Mãe andava comigo pelo Arsenal de um lado para o outro com diferentes pessoas: Conde de Sabugosa, Condes de Figueiró, Condes de Galveias e outros falando de sempre num estado de excitação indescritível mas fácil de compreender. De repente caiu no chão! Só Deus e eu sabemos o susto que eu tive! Depois do que tinha acontecido veio aquela reacção e eu nem quero dizer o que primeiro me passou pela cabeça.

Depois vi bem o que era: o choque pavoroso fazia o seu efeito! Minha Mãe levantou-se quase envergonhada de ter caído. É um verdadeiro herói. Quem dera a muitos homens terem a décima parte da coragem que a minha Mãe tem.

Tem sido uma verdadeira mártir! O que eu rogo a Deus sempre e a cada instante é para m'A conservar!

Pouco tempo depois de termos chegado ao Arsenal veio ainda o major Waddington dizendo que os Queridos Entes ainda estavam vivos; mas infelizmente pouco tempo depois voltou chorando muito. Perguntei-lhe «Então?» Não me respondeu. Disse-lhe que tinha força para ouvir tudo. respondeu-me então que já ambos tinham falecido! Dai-lhes Senhor o Eterno descanso e brilhe sobre Eles a Vossa Luz Eterna Ámen!

Pouco depois vi passar João Franco com o Aires de Ornelas (Ministro da Marinha) e talvez (disso não me lembro ao certo) com o Vasconcelos Porto, Ministro da Guerra, dirigindo-se para a Sala da Balança para telefonarem que se tomassem todas as previdências necessárias. São isto cenas, que viva eu cem anos, ficarão gravadas no meu coração. Agora já era noite o que ainda tornava tudo mais horroroso e sinistro: estava já então muita gente no Arsenal, e principiou-se a pensar no regresso para o Paço das Necessidades. No presente momento em que estou escrevendo estas linhas estou repassando com horror, tudo no meu pensamento! Entrámos então para o landau fechado, a minha Avó, minha Mãe e o Conde de Sabugosa e eu. Saímos do Arsenal pelo portão que deita para o Cais do Sodré onde estava um esquadrão da Guarda Municipal comandado pelo Tenente Paul: Na almofada ia o Coronel Alfredo de Albuquerque: à saída entregaram ao Conde de Sabugosa um revólver; minha Avó também queria um.

Viemos então a toda brida para o Paço das Necessidades. À entrada esperavam-nos a Duquesa de Palmela, Marquesa do Faial, Condessa de Sabugosa, Dr.D.Thomaz de Mello Breyner, Conde de Tattenbach, Ministro da Alemanha e a Condessa, e muitos criados da casa. Foi uma cena horrorosa! Todos choravam aflitivamente. Subimos muito vagarosamente a escada no meio dos prantos e choros de todos os presentes. Acompanhei a minha pobre e adorada Mãe até ao seu quarto e deixei a minha pobre Avó na sala.»